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Chegam memórias de uma primavera feita de cravos vermelhos, com alguma metralha de permeio porque a flor de Abril renunciou, à nascença, aos espinhos nos canos das espingardas.

A melodia da voz do cantor

Nem só de flores se fez a festa – a festa começou na melodia da voz do cantor e durou até às tantas, antes e depois dos cravos. E houve dança, música, muita música. E cantigas, imensas cantigas que se perpetuam no tempo.

Somos um povo, como todos os outros, de sons e palavras ao serviço das ideias – de todas as ideias e ideais de que se fazem as mudanças, como em Abril, há trinta e cinco anos. Canta-se o Povo nas vozes dos inconformados, goste-se ou não dos desígnios daqueles que fizeram das cantigas uma arma poderosíssima, sujeita aos solavancos do momento, apontada à frontalidade da acção ou subtil no engodo da mensagem.

As mudanças são balanços relativamente violentos que a História regista; a nossa está repleta desses movimentos, uns mais conhecidos do que outros, sem dúvida, mas todos eles moldaram o carácter do Povo que somos.

A Democracia que temos não é a perfeição dos mundos, mas estamos melhores na liberdade das palavras, no direito à reunião, o poder local está na “meia idade”, amadureceu, os índices culturais subiram, apesar de todos os pesares – a lista dos benefícios que vieram com a primavera de Abril de 1974 é, felizmente, extensa. A Democracia não se completa nos ideais do Povo? Churchill qualificou-a como o melhor de todos os sistemas políticos conhecidos e não o menos “mau”. Até ver, apesar de algumas contradições, a revolução dos cravos cumpre os objectivos dos capitães de Abril… Enquanto houver memória, a data há-de ser comemorada um pouco por toda a parte. As excepções confirmam a regra – até neste pormenor, fica ao livre arbítrio de quem manda no poder local recordar a efeméride com pompa e circunstância, simplesmente içar a bandeira nacional, ou fazer de conta de que está tudo “na mesma”…

Um dia destes, daqui a uns tempos, apagam-se todas as memórias, ficam as palavras nas cantigas, as notas nas pautas, os números nas estatísticas, e o 25 de Abril passa a ser, simplesmente, mais um feriado nacional, a juntar ao 5 de Outubro e ao 1º de Dezembro – todos os outros não têm justificação “revolucionária”…

Apesar disso, o Povo – sempre ele! – há-de continuar a cantar Zeca Afonso e as outras “vozes que Abril abriu”. E se necessário for, no futuro, as cantigas deixarão de estar ensarilhadas e responderão às vozes de comando, porque cada “…cantiga é uma arma / eu não sabia / tudo depende da bala / e da pontaria / tudo depende da raiva e da alegria / a cantiga é uma arma /e eu não sabia…” – José Mário Branco.

Carlos Alberto (Vilaça)

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