Pelos palcos mais humildes passam vozes fantásticas e instrumentistas talentosos sem darmos conta, sobretudo se a nossa atenção estiver presa ao par numa dança de salão e preocupados em acertar o passo… A Ana Sofia é “Mezza-soprano”, por isso brilha nos tons médios da sua voz; o Olavo é “Barítono” e fica-se pelos médios, tom intermédio que coloca com rigor acima dos sons do piano, que amplifica o toque dos seus dedos nas teclas. Onde podem ser ouvidos e apreciados? Por aí, num dos inúmeros bailaricos que animam a noite das nossas aldeias. Mas convêm estar atento ao som que vem do palco para entender a frase lapidar de Dostoievski.
Obaile vai começar. O tema de abertura vai a ”três quartos” quando o músico da guitarra anuncia à plateia o grupo:
– “…Nas teclas e voz, o Olavo Matos Carlos; como solista, Ana Sofia Matos Carlos…”.
A solista acrescenta: – “…E na guitarra, o “verdadeiro” Matos Carlos. Somos o “Big Boss”!
O pessoal técnico não é esquecido na apresentação, e a partir daí o público fica a saber que o conjunto é composto pelo pai e pelos dois filhos do clã Matos Carlos.
A Ana Sofia está prestes a terminar a licenciatura em Letras (inglês e espanhol) porque, diz, “…sempre gostei da língua inglesa, e o espanhol aparece como mais uma possibilidade para um emprego numa multinacional “. E Espanha está mesmo ali ao lado…
Durante dez anos esteve no Coral San’Tana, de Oliveira do Hospital – uma verdadeira escola de canto! – passando a fazer parte do trio familiar aquando da sua formação.
– “Foi uma opção consciente porque na génese da decisão esteve o gosto pelo canto, ainda que o estilo musical tivesse passado a ser outro, não menos aliciante, diga-se de passagem. Depois, estou em família, e por fim a parte económica foi decisiva porque com o meu trabalho posso suportar as minhas despesas”.
Alguns críticos musicais, perante o reconhecimento dos dotes vocais da Ana Sofia, apostavam numa carreira profissional meritória, mas os estudos sempre foram prioritários; mesmo assim, aos 12 anos participou no Festival da Canção Juvenil, a nível nacional, foi emprestando a sua voz a outros eventos “ pelo gosto de participar”, e quando o Karaoke entrou na moda, passou a fazer parte da festa com espírito desportivo, “…mas sempre fui vencendo uns quantos festivais, o que é sempre agradável”, disse.
O futuro passa pelo curso “…que está prestes a acabar; se eventualmente houver uma nova oportunidade, talvez pense na música com outras perspectivas”.
Acrescenta a cantora: – “Enquanto for possível conciliar o grupo com o resto em que estou empenhada, vou continuar a cantar porque gosto de o fazer e do ambiente familiar que me rodeia”.
O Olavo terminou a licenciatura há três anos (Educador Infantil), fez o estágio profissional na Guarda, e dedica-se à música a tempo inteiro, “…mas espero voltar este ano a exercer a minha profissão, foi para isso que tirei o curso”.
Deu os primeiros passos na música ainda menino. Conta: – “Quando era miúdo o meu pai ofereceu-me um piano de brincar; tomei-lhe o gosto e com os meus amigos passámos a utilizá-lo nas brincadeiras. Aos 16 anos comprei uma mota, e quando tive um acidente o meu pai propôs trocar a mota por outra coisa e eu escolhi um sintetizador profissional. A partir daí, com a ajuda de um método próprio, aprendi a usá-lo e a tirar partido das suas potencialidades, a tal ponto que uns meses depois já tocava algumas músicas na perfeição. Como o meu pai tinha saído do grupo onde tocava, resolvemos formar o duo “Gerações”. Estreei-me num jantar/convívio de professores, colegas da minha mãe”.
Mais tarde a irmã entrou para o grupo e pensou-se num nome: – “Foi isso mesmo. Depois de várias hipóteses, ficou “Big Boss”, uma espécie de homenagem ao nosso pai porque é assim que, carinhosamente, o tratamos em casa”.
O Olavo participou em alguns programas de televisão, com destaque para “Casa de Artistas”, com o pai. Na expectativa de desempenhar funções pedagógicas no próximo ano lectivo, nem por isso pensa abrandar a sua actividade artística.
– “Dentro das possibilidades, a música continuará sempre a fazer parte da minha vida, não como profissional mas de forma profissionalizada porque não sei estar de outro modo, mesmo nas actuações de Karaoke” durante a época baixa dos concertos.
Traçados os perfis artísticos dos dois irmãos, ainda que de forma breve, ficam por contar peripécias sem fim – algumas hilariantes – do mercado onde se movimentam.
Uma pequena estória, conta o Olavo: – “Numa aldeia em Trás os Montes, de nome Caravela, tocámos das oito e meia às nove e meia, depois fomos jantar, recomeçamos às dez e meia até à meia noite, a seguir actuou um artista durante uma hora, voltámos a actuar e continuámos sem parar até às sete e meia da manhã! Apesar de muito solicitados pelos mordomos da festa para que ficarmos a tocar até às nove e meia, exaustos, decidimos parar, mas àquela hora ainda estavam a dançar mais de meia centena de pares”! O prestígio tem um “preço… por vezes exagerado”.
“Aos olhos do artista, o público é um mal necessário; é preciso vencê-lo, nada mais” – também afirmou o escritor e pensador russo Dostoievski.
Carlos Alberto