Quarta-feira de cinzas. Em Lagares da Beira, na hora do costume, o cerimonial pagão do tradicional Enterro do Entrudo voltou a quebrar a monotonia de uma pacata vila enregelada pelo frio de uma noite de Inverno.
É uma tradição com mais de 40 anos de história que em tempos idos chegou a realizar-se já de madrugada, uma vez que a polícia política do Estado Novo – a Pide – não era mesmo nada adepta deste tipo de festejos onde imperam o escárnio e a maledicência.
Durante muitos e muitos anos a organização da “corrida do entrudo” – era assim que antigamente se designava – estava a cargo de grupos de lagarenses que, de ano para ano, se iam revezando na preparação daquele castiço festejo. Hoje, é a Associação Humanitária dos Bombeiros de Lagares da Beira que insiste em mater a tradição de pé.
Tendo como ponto alto a leitura das “Deixas” – ou seja, o testamento deixado pelo Entrudo aos lagarenses –, este ritual pagão constitui uma crítica social a determinados comportamentos e atitudes que merecem a reprovação dos organizadores do evento.
Quando o testamento começa a ser lido – este ano a tarefa coube ao antigo presidente da Junta da Lajeosa, Alberto Cadima –, soltam-se as gargalhadas e, no meio da assistência, não falta quem identifique de imediato os visados da “piada”. É o reflexo de uma sociedade “voyeurista” que, ao longo do ano, vai compilando as desventuras da “vizinhança”.
E ninguém escapa… há deixas para os mais diversos quadrantes: desde o presidente da Câmara a um agente da GNR que alegadamente terá andado no desfile do corso carnavalesco de Lagares “de cerveja na mão”.
Lidas numa linguagem vernácula, a desculpa é no entanto sempre a mesma: “É Carnaval, ninguém leva a mal”.
O correiodabeiraserra.com registou ontem em vídeo algumas das principais passagens desta tradição lagarense. Entre aqui no canal de Youtube deste diário digital e confira se também foi contemplado no testamento do Entrudo.