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“Crónicas de Lisboa” : Eu, Quem Sou? Autor: Serafim Marques

“Crónicas de Lisboa”: A Falta do Pai. Autor: Serafim Marques

Quando caminhamos, pelas ruas, dominados pelos nossos sentimentos e problemas, normalmente com a cabeça baixa, nem nos damos conta dos dramas de muitos com quem nos cruzamos, mas, se mais libertos dos nossos “egocentrismos”, poderemos olhar no rosto dos transeuntes com quem nos cruzamos e tentarmos “ler” o que lhe vai na alma, sim porque “o rosto são os olhos da alma” de cada um de nós, que pode ser de felicidade ou tristeza, de angústias ou reflexo dos problemas que as afligem. Por mim, e porque me apaixonei pela Psicosociologia, essa parente pobre das ciências (sociais,) e cujo atraso, em relação às demais ciências, provoca muitos  “danos” nas pessoas, essa percepção das emoções e sentimentos, dizia eu, é feita sem qualquer sentido de “voyerismo”, mas apenas porque me apaixona observar as pessoas e tentar penetrar na sua alma que, mesmo pela observação, não é assim tão difícil de se conseguir. Pelo menos, poderemos ler no rosto o seu “mundo”. Não destaco, no meu interesse de observação, qualquer faixa etária em especial, porque cada uma tem o seu interesse psicosociológico de observação. Da pureza e ingenuidade das crianças, do desabrochar dos adolescentes, da maioridade ou maturidade dos jovens adultos, até aos idosos, muitos deles duma ternura comovente, são todos universos de interesse de observação.

Mas nem tudo são rosas, porque a “ruindade” é, muitas vezes,  detectada à vista de desarmada, isto é, pela simples observação, ou então cruzarmos-nos com um deficiente e, neste saco, é como se a nossa alma fosse trespassada por um punhal e nos provoca uma enorme dor, sentimento esse atenuado ao olharmos-nos ao espelho ou em redor e darmos graças a Deus, ao Deus de cada um e eu tenho o meu, por termos tido bafejados pela sorte de, pelos menos, não termos uma enfermidade tão grave, embora possamos “esconder” as nossas doenças. Tocam-me bem fundo, no coração e na alma, muitos dos casos dramáticos que observamos ou nos são mostrados pelos “medias” e  deixam-nos confusos e ousamos perguntar a Deus, porquê, ainda mais quando as vítimas são crianças!

Há dias, já em plena época natalícia, propícia ao desabrochar de sentimentos de fraternidade, de solidariedade, de família, etc, muitos deles genuínos mas outros autêntica manifestação de “faz de conta” ou mesmo de hipocrisia e frieza, em crescendo nas sociedades modernas dominadas pelo “ter” (consumismo e materialismos) e não pelo “ser”, não pude ficar indiferente ao que ia ouvindo, ao mesmo tempo que me aproximava duma jovem senhora que, ao telemóvel, falava alto para alguém que estava do outro lado. Já mais próximo, foi-me possível ouvir algumas das palavras que ela proferia e também verificar que ela tinha no seu colo, dentro do “canguru”, uma criança de poucos meses que, dormia como um anjo, indiferente ao que a mãe dizia. Deu para ouvir que ela protestava contra o pai do seu filho, dizendo ; “esqueceste-te que tens um filho e há dias que não apareces para o ver, nem neste fim de semana te dignaste fazê-lo”. Conjuntamente com a cena que observei, as palavras ainda me comoveram mais e não pude ficar indiferente, mas também nada podia fazer, senão reprimir o impulso de confortar aquela mãe e abraçar, no meu colo aquela criança, porque não há nada mais gratificante do que sentir o corpo frágil duma criança bem colocada ao nosso peito, de modo a que “penetre” a nossa alma. Assim tenho a felicidade de o fazer com os meus netos, tal como o fiz com os meus filhos. Fiquei a pensar se aquela não seria uma mãe solteira ou uma daquelas mães em auto-gestação, mas essas não protestam pela falta do pai, porque, muitas vezes, ele serviu apenas para fecundar, às vezes anonimamente, o desejo materno, talvez num gesto egoísta.

A matutar ainda naquela situação, e nem por coincidência, cruzei-me, com uma vizinha,  mãe e o seu filho André, um menino com pouco mais dum ano, fruto do amor de duas mulheres, cuja mãe, que conheço há anos, decidiu casar-se, oficialmente, com a companheira e engravidar, como qualquer mulher que sente o desejo da maternidade. Pelo que vou observando, e por vezes em diálogos próprios dos encontros à porta ou no elevador, parece-me ser uma mãe extremosa para com o seu filho. Mas mais do que a curiosidade de saber como foi o André gerado e de viver com duas “mães”, embora a “mãe-pai” seja bastante mais ausente, talvez por questões profissionais, dou comigo a pensar como será o crescimento do André e do seu futuro, quando souber que não tem pai nem nunca o teve, não porque ele o tenha abandonado ou ter sido vítima duma fatalidade, mas porque é fruto do amor de duas mulheres, embora uma delas o tenha trazido no seu ventre a ela seja tão devotada ao ponto de sacrificar a sua profissão, cuidando dele.

A gestação, a adopção e a criação duma criança por um “casal”  do mesmo sexo, é um tema fracturante da sociedade portuguesa, mas vale a pena pensarmos no que é (será)  melhor para as crianças institucionalizadas, isto é, crianças internadas nas instituições, muitas delas desde o nascimento até atingirem a maioridade e que ali foram parar por razões já de si “desumanas”. Fazerem um percurso de vida triste, sem afectos e amor e, muitas vezes, vítimas de violência dos cuidadores, ou serem criadas com amor por duas “mães” ou por dois “pais”?  E o que dizer do “horror” da pedofilia e da violação de muitas crianças, mas cuja sociedade, todos nós, vai assobiando para o lado, sem que se “ataque” este drama que nos deveria envergonhar a todos, mas que estamos mais preocupados com a “proteção” dos direitos dos violadores, muitos deles da própria família, do que com as vítimas indefesas?

Estes dois exemplos, aqui relatados, são, talvez, o espelho de que a família tradicional está em profunda crise e, paradoxalmente, numa época em que o presépio, como símbolo dessa “tríade” (pai, mãe e filho) está na moda, grandes, pequenos, simples ou sumptuosos, mas fazendo parte desta festa natalícia convertida mais numa manifestação de consumismo, apesar dalguns gestos puros e genuínos. Paradoxos, mas é inquestionável que um pai, tal como a mãe, faz falta na educação e formação humana de qualquer criança e jovem, pelo que o presépio deveria ser visto e interiorizado na plenitude da sua simbologia e mensagem, sejamos ou não cristãos. A sociedade ainda não se questionou de que a educação e a formação, desde o infantário, escola primária e o ensino secundário é, maioritariamente, feita no feminino. Quais as consequências,  nos “fomandos” sem pai (presente ou um avô que seja a referência masculina) que “compense” esta realidade? Estudos e factos têm revelado pesadas heranças e vítimas, piores do que nos casos de orfandade, porque, nestas situações, a falta do pai não é imputável a outrem, mas a um “Deus” ou algo semelhante.

“Crónicas de Lisboa” : Eu, Quem Sou? Autor: Serafim MarquesAutor: Serafim Marques, Economista

 

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