Jonathan Jones, colunista te arte do The Guardian, escreveu um texto controverso acerca da fotografia no qual alega que as fotografias não pertencem (ou deveriam ser apresentadas ao Mundo) a galerias de arte (http://www.theguardian.com/artanddesign/jonathanjonesblog/2014/nov/13/why-photographs-dont-work-in-art-galleries).
“They’re simply a “flat, soulless, superficial substitute for painting, and it looks stupid when we hang it like a painting and try to give it as much attention as a painting.”
Antes de mais:
Fotografia é Fotografia e Pintura é Pintura. Um pintor desenvolve técnicas e um fotógrafo também. Um pintor faz um esboço e a qualquer altura pode escolher alterar a disposição dos elementos da cena. Digo isto não para menosprezar a Pintura. É uma das suas características. Por outro lado, se tudo isto parecesse simples todos seriam pintores de sucesso. Mas não são.
Mas eu também não entendo esta necessidade de comparação. Já se fizeram as devidas comparações nos primórdios da fotografia. Mais de 100 anos depois continuam estas comparações. Entendo-as perfeitamente no capítulo do estudo, sou incapaz de as entender para defender bandeiras. A mim pessoalmente interessa-me esta comparação mas pelo simples motivo de despertar os meus formandos outras noções e a consciência das especificidades da fotografia. Um fotógrafo também pode construir realidades, pode encenar realidades e com elas transmitir ideias, sensações, sentimentos, mensagens, etc. E isso faz de um fotógrafo mais ou menos criativo do que um pintor? Faz de uma pintura mais valiosa do que uma fotografia?
Uma coisa é certa: eu nunca vi nenhuma pessoa da área da fotografia menosprezar e criticar a pintura desta forma. Mas o inverso é infelizmente frequente.
Um fotógrafo tem de ter a destreza e o intelecto de aglutinar os elementos numa cena, ao passo que um pintor tem a liberdade de os dispor e os alterar a qualquer momento na cena que está a criar, pela forma como estes aparecem dispostos criamos harmonia nela. Na fotografia não podemos alterar a disposição dos elementos da cena. E isso parece fácil, mas não é. Um dos argumentos para menosprezar a fotografia em benefício da pintura é este, o facto de a criação da imagem ser imediata. E o fotógrafo, o bom fotógrafo não terá cuidado na forma como aglutina os elementos na cena. O Pintor sabe avaliar uma fotografia, porque os elementos formais da imagem são partilhados pelas dduas disciplinas das artes visuais. Porém, menosprezar a fotografia desta forma seria o mesmo que dizer que um qualquer grande pintor podia pegar numa câmera fotográfica e ser um grande fotógrafo, dada a partilha destes elementos formais da linguagem da imagem. Houve alguns pintores que também foram fotógrafos, e vice-versa.
Henri Cartier-Bresson era formado em pintura. Com tantos conhecimentos adquiridos sobre pintura, Cartier-Bresson dedicou a sua vida à fotografia… e a assumir-se como um Surrealista. E não podia ser surrealista? Estas correntes artísticas são filhas única e exclusivamente da pintura? Não podem vazar para a escultura, para a música… para a fotografia? Henri Cartier-Bresson é quase unanimemente considerado o melhor fotógrafo de sempre, um homem, pintor, assistente de Matisse, formado em pintura é conhecido pela fotografia. E por ser o redator do texto mais influente da história da fotografia do século XX. Nunca li nada acerca do seu talento como pintor, mas sei muito bem acerca do seu talento como fotógrafo.
Quando um pintor pensa numa obra, muitas vezes, antes de a iniciar já sabe de todos os procedimentos, as cores, a forma como a vai apresentar. Quando um fotógrafo sai para a rua para fotografar está dependente dos elementos, da qualidade da luz, da volatilidade das cenas do quotidiano, e tem os sentidos alerta para decidir qual é o instante que lhe importa registar com a câmera fotográfica. Quem faz comparações deste género deveria perceber que uma fotografia bem feita é feita na cabeça, é pensada. E perpetuada na câmera. E muitas vezes o fotógrafo dispõe de escassos segundos para criar uma obra de arte. Da mesma forma que um pintor pensa numa obra e o seu pincel a coloca visível ao mundo.
É necessário treino e destreza no pincel, da mesma forma que é necessária destreza com a câmera fotográfica. Ainda assim, o fotógrafo está em avaliação constante e o pintor não. O Atelier do fotógrafo é muitas vezes o Mundo, o atelier do pintor é a sua zona de conforto. O pintor tem o seu tempo, tem tempo para alterar a forma da sua pintura quando acha que ela não está bem na sua consciência. Um fotógrafo tem de decidir e executar no instante, na janela de oportunidade que lhe aparece pela frente. Mas isto não é visto como talento pelos defensores da pintura. Muitos defensores da Pintura centram-se únicamente na condição mecânica de uma câmera. Alguns considerarão porventura alguns relógios obras de arte, como por exemplo o Leroy 01 do Monteiro dos Milhões. Mas uma câmera fotográfica já não.
Também não tenho conhecimento de nenhuma pintura que tenha trazido consciência ao Mundo. Há milhares de fotografias que alteraram mentalidades, condições políticas, regimes, etc. Há milhares de pessoas que sacrificaram as suas vidas para trazer ao Mundo veracidade, consciência e beleza. Como referi, o atelier do fotógrafo é lá fora. E se alguém tem dificuldade em reconhecer o trabalho de Ansel Adams como Arte deveria pegar no equipamento que ele tinha, a pesar dezenas de quilos e andar por onde ele andou e, exaustos, na hora de fotografar, a terem destreza e clareza de espírito para extrair toda a beleza natural, a gama tonal, a riqueza e a profundidade do seu trabalho. Se acham que isso não é arte, então desclassifiquem todos os Parques Naturais e Nacionais americanos que Ansel Adams contribuiu para a sua criação com o seu trabalho fotográfico. Ansel Adams, músico talentoso, encontrou uma mensagem para transmitir ao Mundo, a beleza natural norte americana, encontrou um canal adequado para comunicar a sua mensagem, a fotografia e, décadas depois, continua a ser mundialmente reconhecido pelo seu trabalho. E isto não é arte.
Tal como disse um amigo com quem eu debato estas questões algumas vezes, o reconhecimento de um trabalho de um artista vem sempre pelas gerações vindouras. Serão estas que, em retrospectiva irão avaliar o trabalho de um artista (seja ele pintor ou fotógrafo) e dar-lhe assim o reconhecimento devido. Esse meu amigo também diz que o trabalho de um artista é sempre a sua interpretação do Mundo que o rodeia, e a linguagem que um artista utiliza é da sua decisão.
Há defensores acérrimos da Pintura e que fazem bandeira da necessidade de denegrir e menosprezar a fotografia. Quem faz fotografia (note-se que fazer fotografia é, para mim, diferente de quem tem uma câmera fotográfica e tira fotografias), faz fotografia e não se preocupa com o que os críticos dizem. Em boa verdade, quando perdemos demasiado tempo a perceber o que os críticos dizem e dedicamos pouco tempo à nossa linguagem própria e diferenciadora, tendemos a não conseguir chegar a lado nenhum. É, porém importante conhecer estas opiniões, mas é mais importante dar-lhes a importância que elas têm.
Certo é que eu nunca vi nenhum critico da fotografia tratar a pintura com o mesmo desdém… Os críticos da fotografia mais importantes (Susan Sontag, Roland Barthes, Rosalind Krauss, Jonh Berger, entre outros) , também estabelecem apenas diferenciações e, sendo eles mundialmente conhecidos e reconhecidos, a estes aceito as comparações. A estes nunca vi palavras de menosprezo em relação à fotografia.
Justo Villafañe, um académico espanhol que se dedica ao fenómeno da imagem estabeleceu uma escala de graus de iconicidade da imagem (e que serve para todos os tipos de imagem, seja ela pintura, seja ela imagem promocional). Este académico mundialmente reconhecido criou uma escala para que possamos classificar as imagens de acordo com a sua representação do Mundo Real. A minha pergunta é se uma fotografia se pode adequar às categorias definidas por Justo Villafañe definidas como Imagem artificial. A resposta é: Sim. E a pintura? A resposta é: Sim!
Autor: Rui Campos