O cenário que envolve aquele afluente do Mondego quase faz lembrar as catástrofes ambientais provocadas pelos derrames de crude. Nas praias fluviais a época balnear acabou-se e a vida aquática está ameaçada.
É a factura dos incêndios florestais que, este ano, voltaram a dizimar a floresta da região da Serra da Estrela. Com a primeira enxurrada – ocorrida no último dia de Agosto –, as encostas do Alva arremessaram para o rio todo o tipo de resíduos florestais e matéria morta deixados pelo fogo.
Como um mal nunca vem só, os danos colaterais dos recentes incêndios de Verão fizeram-se ainda sentir ao nível da qualidade da água fornecida pela empresa Águas do Zêzere e Côa nos municípios de Gouveia, Seia e Oliveira do Hospital, porque a captação é feita nas águas do Alva, na barragem da Nossa Senhora do Desterro, em S. Romão.
Oito dias depois da tragédia que se abateu sobre o Alva, os presidente das câmaras de Oliveira do Hospital e Seia – acompanhados por representantes de diversos organismos do Estado com responsabilidades na gestão dos recursos naturais – percorreram ontem, com os presidentes de junta locais, diversas zonas ribeirinhas da bacia do Alva nos dois municípios.
A visita iniciou-se em Avô e estendeu-se às principais zonas balneares dos dois concelhos, banhadas pelo Alva. Na Ponte das Três Entradas, S. Sebastião da Feira, Penalva de Alva, S. Gião, Sandomil e Vila Cova a Coelheira, o cenário é confrangedor e não há memória de uma “coisa” assim: o rio está de luto.
“O dinheiro que dão aos aviões, dêem-no a nós”
Em Avô, quando o governador civil da Guarda, Santinho Pacheco, perguntou “o que é que se faz agora”, o presidente da junta local, Aristides Gonçalves, foi rápido a responder. “O que é que se faz agora? Agora não se faz nada… isto tem é que se apostar na prevenção dos incêndios. O dinheiro que dão aos aviões, dêem-no a nós que nós resolvemos o problema. Dão-se aí 10 milhões de contos para os aviões e arde tudo na mesma”, afirmou, num semblante irritado, o autarca do PSD.
Na Ponte das Três Entradas, o presidente de S. Gião, onde se localiza uma das praias fluviais que ficou mais afectada, olha para as cinzas que flutuam nas águas do rio e lembra que no último dia de Agosto “parecia um mar de crude”. Mas Manuel Dinis tem algum cepticismo em relação à visita em curso. “Têm é que se tomar medidas na floresta, porque senão daqui a cinco ou seis anos cá estamos todos outra vez no mesmo sítio e você a tirar fotografias”, disse o autarca.
Ciente de que tem de participar na solução de um problema que a natureza lhe acaba de criar, o presidente da Câmara de Oliveira do Hospital considera como fundamental a “articulação” entre os dois municípios no sentido de “encontrar soluções para minorar os prejuízos”, e destacou o facto de nesta visita terem participado “pessoas pragmáticas que nos ajudam a resolver o problema”.
“É uma nova cultura política que tem de se fazer em Portugal”, afirmou José Carlos Alexandrino, sem deixar de frisar que Seia e Oliveira do Hospital “têm objectivos comuns em termos de território e a “cooperação” entre os dois concelhos também amplia a “capacidade reivindicativa junto do poder central”.
Como exemplo disso, o autarca de Oliveira do Hospital salientou que conjuntamente com o concelho vizinho vai ser apresentada uma candidatura ao “Polis dos rios de montanha”. “São cenas dos próximos capítulos”, frisou o autarca de Seia, Filipe Camelo. Mas uma das principais preocupações que resultam das consequências dos incêndios florestais, é agora a qualidade da água para consumo humano.
Em declarações aos jornalistas, o administrador das Águas do Zêzere e Côa (AdZC), diz que a empresa tem conseguido “fazer os tratamentos necessários para pôr a água dentro dos parâmetros legais” e que a “qualidade na origem está a melhorar”. Porém, apesar de potável – conforme refere Miguel Ferreira – “há alguns compostos que originam cheiro e sabor”.
Nos próximos meses, ninguém sabe no entanto ao certo como é que a situação vai evoluir e o próprio administrador da Adzc reconhece que em caso de “novas enxurradas” o abastecimento de água pode “ficar em perigo”.
No final da visita – a ausência da Autoridade Floresta Nacional à região foi muito notada, já que aquela entidade tinha sido convidada –, a responsável pela Administração da Região Hidrográfica do Centro (ARHC) prometeu agilidade neste processo e revelou que a ARHC – entre outras medidas – vai participar na construção de uma “estrutura de retenção de materiais sólidos” para tentar travar a entrada dos resíduos florestais na captação de água da Nossa Senhora do Desterro.