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"Quem pode resiste. Quem não pode, esconde-se"

Víndimas à porta.

Vamos entrar em tempo de víndimas. Exige-se um cálculo rigoroso da maturação dos cachos. É tempo de colher o fruto do que se investiu. As uvas prometem. Podemos dizer o mesmo de nós próprios? Estamos preparados para enfrentar uma campanha de vindimas, onde sejamos o sujeito da poda? Vivemos “tempos de cidadania, sem cidadãos”. Parecemos esquecidos, que pese embora nasçamos livres, não nascemos cidadãos. E sem sociedade civil não há progresso político.

A cidadania é algo que se aprende, e se põe em prática quando se tem poder e autoridade para governar. Obviamente, que nem todos os cidadãos plenos, podem ser escolhidos para governantes, mas todos devemos ser chamados à luta por uma democracia, em que sejamos cidadãos plenos, pela liberdade. Sem auto-reflexidade, o padrão que produz esta forma também a devora. Não estranhemos que este elemento imprescindível à dinâmica política de um regime, seja cada vez menos cerimonioso ante o despotismo democrático, no qual, a luta pela igualdade é mais forte do que o gosto pela liberdade, porque os povos democráticos modernos, como dizia Tocqueville: “querem a igualdade na liberdade e, se não a puderem obter, ainda a querem na escravidão”.

Em teoria os cidadãos, detêm direitos de cidadania através da Constituição, mas que não exercem plenamente. Só quando lhe roçam o umbigo é que reagem! Esquecem-se, que não há sistema político capaz de sustentar-se na virtude corporativa, porque esta é um mito puritano, arredado há muito pela revolução americana. A virtude é pessoal e a política é uma prática colectiva na qual, se por um lado, devem prevalecer os virtuosos, não é a virtude que está em jogo, mas o aperfeiçoamento das instituições e do bem comum.

Já na cidade de Aristóteles, a virtude estava na relação dos homens com as instituições e seu aperfeiçoamento. E se a política antiga – em Atenas e Roma – era fundadamente assente, na virtude, Tocqueville, milhares de anos depois, fez assertório semelhante ao analisar os fundamentos das democracias modernas, quando vem falar do interesse. O fundado interesse, construiu em larga escala a pregação política da maioria dos partidos políticos, que hoje asseveram a ideia de sujeito, cada vez mais classicista que individual. A pessoa, o cidadão, assume nos dias de hoje uma identidade de pacote, subvertida pelos deveres de contribuinte, não legitimada nos seus direitos enquanto utente dos serviços: de justiça, de saúde e de educação.

É sem dúvida triste, para uma sociedade anestesiada, não constatar que o rei está nu, quando até a ele só resta o manto angelical. Mas. Então porque reagimos mal e com desconfiança, quando alguém assume e insiste, em que o seu interlocutor seja sempre a sociedade – nem tanto quem governa – porque ela é bem mais difusa e rica que até o próprio poder de Estado? Acho. Que precisamos de convencer-nos – do político até ao eleitor – que as ideias e a sua abertura, são o único mapa que nos pode desviar de continuarmos complacentemente reféns da ideia peregrina, de que tudo o que seja posto à consideração publica, deva obedecer à convencionada rede de apoios, apelando sempre a interesses, a necessidades, mas não a ideias.

É verdade que há uma retórica exacerbada. Mas a política pepsodent ruiu! A ideia do triunfo do estilo sobre a substância, do domínio do marketing na política foi temporária. Por que será? Porque há subjectividades desestabilizadoras. Há pessoas.

Há pessoas que estão preocupadas, mas não têm um quadro de pensamento. Há sectores inconformados, mas seduzidos pela máquina administrativa. Há uma classe média onde a vertigem das mudanças se transmuta frequentemente numa sensação de estagnação. Há modos de dominação política, baseados não só na coerção subsidiária, mas também na assimilação de eleitores. Há periferias sociais onde a transgressão é quase uma necessidade. Há um pensamento institucionalizado e legalista que cuida do politicamente correcto e blinda a esperança contra a frustração dos cidadãos. Há o facto de a riqueza material se traduzir (por vezes) em pobreza da nossa experiência. Há uma gestão ruinosa do território, onde a paisagem consente e fideliza o cortar a torto e a direito nos serviços às populações do interior do país. Há quem vá para o desemprego, quando se mantém vergonhosamente os vencimentos dos gestores e administradores públicos com subidas na ordem dos 200%, além de indemnizações espúrias quando saem de certas empresas para ingressarem imediatamente noutras. Há determinados atributos que negam a intencionalidade da hierarquia social, apesar do Estado Social português já ter falido declaradamente.

Tudo isto não legitimará que pergunte que atravessamos – como sociedade – uma campanha de vindimas decisiva, com pouca uva e muita parra? Não temos de exigir, de pressionar para que os direitos que possuímos em teoria nos sejam garantidos na prática? Isto só acontecerá quando abandonarmos (todos) a nossa complacência. Não esperemos, que à falta de uvas sumarentas, suceda a reposição das bodas de Canã, com Maria a pedir a Cristo ajuda para resolver o problema da falta de vinho. Por cá, os nossos zurrapeiros pegam no pouco vinho existente e adicionam água! E pronto. Nada de espalhafato ou alaridos que os papalvos bebem tudo sem notar anomalia!

Lusitana Fonseca

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