Já faz 48 anos a intentona-golpe militar do 11 de Março de 1975 sob comando do então General Spínola e de alguns altos graduados conspiradores, designadamente o comandante da Base Aérea de Tancos e o comandante do Regimento de Caçadores Paraquedistas também de Tancos que fizeram sair tropas e meios aéreos (dois aviões e quatro helicópteros) para lançar um ataque sobre o então RAL – 1, Regimento de Artilharia Ligeira – 1, situado em Sacavém e bem perto do aeroporto de Lisboa. Ainda lhes deu tempo para causarem um morto e alguns feridos.
Tiveram como objectivo mais amplo lançar um golpe de Estado para derrubar o governo e para afastar algumas das chefias militares da época e ainda que pudessem provocar uma guerra civil. Felizmente, cedo foram derrotados nessas intenções por outros soldados sensatos bem apoiados pelo Povo alertado – que se mobilizou para Sacavém, para as imediações do então RAL 1, e aí muito contribuiu para fazer abortar o golpe, aliás perante as câmaras da RTP que a dada altura transmitiu em directo esta parte dos acontecimentos, alguns deles bastante inusitados.
E P C – Escola Prática de Cavalaria, em Santarém
fura expectativas dos golpistas e não alinha na aventura.
Já ao fim da manhã do 11 de Março, Salgueiro Maia teve nisso intervenção decisiva!
Entretanto, são 10 horas e pouco da manhã desse 11 de Março, e este Vosso amigo, na altura Alferes Miliciano na EPC, é chamado por um camarada – a tropa trata-se uns aos outros por “camarada” – para ir depressa para o anfiteatro do quartel pois o comando da Escola Prática de Cavalaria tinha convocado um “plenário de oficiais”. Entretanto, demo-nos logo conta que algo de complicado já se estava a passar pois a Unidade estava de “prevenção rigorosa” ou seja, os portões estavam fechados e ninguém entrava ou saía do quartel sem especial autorização do Comando.
– “Pois que raio de ´bernarda´ (complicação séria em terminologia usada na tropa) andam estes tipos a montar” – deu para pensar enquanto atravessava a parada principal e uma outra secundária até entrar no edifício onde o Comando da EPC iniciava o “plenário de oficiais”.
Devo confessar que eu tinha um profundo receio em relação à simples possibilidade que fosse, em entrar em tiroteios ! Sim, sempre considerei a guerra, e ainda que em abstrato, como a maior e mais cruel estupidez da humanidade ! Quanto mais a iminência de entrar numa “guerra” em concreto !…
No 11 de Março, Comando da EPC pressionou para a tropa entrar no golpe de Estado.
Foi desobedecido e nós próprios contribuímos para isso acontecer…
Entro no anfiteatro quando o Comando da EPC inicia o “plenário de oficiais” que havia convocado.
Primeiro, fala o Comandante e apresenta a situação de forma a tender para o emocional embora também insólito. Não hesita mesmo em afirmar que o RAL- 1 tinha sido atacado por “guerrilheiros cubanos e tupamaros” (estes últimos seriam provenientes do Uruguai…) que se mantinham lá a ocupá-lo com a conivência de sectores das nossas Forças Armadas a partir do “COPCON – Comando Operacional do Continente” – assim nem mais nem menos falou o homem ! E que por isso, exortava a tropa da EPC a sair para a rua em armas até ao RAL – 1, para o libertar dos assaltantes (?!).
E nessa onda meio mirabolante continuaram outros intervenientes, em especial o “habilidoso” então Segundo-Comandante da EPC, por sinal irmão do Comandante dos Paraquedistas de Tancos, os quais, recordemos, estavam a encabeçar o golpe daquela manhã…
Lembro-me bem de um capitão presente, um “cabeça esquentada”, fardado com camuflado, de arma “Kalashnicov” já em punho (tinha uma, recolhida em África e que ali exibia…), a exclamar:- “ já me cheira a pólvora…os nossos camaradas já estão a arriscar o pêlo no RAL – 1! De que estamos nós à espera para sair ?!”.
É neste ambiente de exaltação que este Vosso amigo, resolve interpelar o Comando desde a plateia:- “mas então, trata-se de um golpe de estado ? Quem está por trás disto ?” – pergunto. A resposta do Segundo-Comandante assumiu:- “sim, podemos chamar de golpe de Estado. É o nosso General Spínola que está à frente das movimentações de tropas e também tem o apoio de importantes sectores civis”. Da nossa parte, e de outros, ficámos mais esclarecidos mas também ainda mais preocupados…
Acontece então a oportunidade – histórica ! – para esfriar a tendência expressada que se formava favorável à saída em armas. Com excesso de confiança, o Comandante resolve interpelar directamente Salgueiro Maia que nesse momento se encontrava de pé, visivelmente inquieto, no degrau semi-circular mais alto do anfiteatro, e pergunta-lhe:- “então, nosso Capitão Maia, qual é a sua opinião? Vamos prá rua em armas ?”. Note-se que, além de tudo o mais, Maia era o comandante directo do “Esquadrão de Carros de Combate da EPC”, sector da maior importância operacional.
Os nossos olhos focaram-se em Maia sem pestanejar ! O coração a bater… Sabíamos que o que Maia dissesse – mantinha todo o seu grande prestígio e autoridade conquistados no 25 de Abril de 1974 – seria decisivo para aquela situação ! Eis que Maia responde:- “meu Comandante, há pouco telefonei para Lisboa para pessoas em que confio. Foi-me dito que o RAL – 1 foi atacado mas por aviões, helicópteros e paraquedistas vindos de Tancos. Ora, eu não saio daqui da EPC para ir contra camaradas que comigo fizeram o 25 de Abril ! Acho que nos devemos preparar, municiar os blindados, colocarmo-nos de prevenção para o que der e vier mas sem sair da Unidade !”.
Que espectacular sensação de um feliz alívio nos provocaram estas palavras de Maia ! Aí estava uma posição sábia, pacificadora, incontornável ademais vinda de quem tinha vindo – do Salgueiro Maia, herói do 25 de Abril ! Viva !
Muitos dos presentes, sobretudo oficiais milicianos, logo se agarraram aos argumentos de Maia para boicotar a saída em armas da EPC.
O Comando vacilou de imediato e acabou por se sujeitar à opinião de Maia que foi sendo rodeado por muitos camaradas a apoiá-lo, a felicitá-lo. Que alívio ! Afinal, não íamos correr para andar aos tiros, a matar e a morrer. Ainda bem, ainda bem, ainda bem !!!
E o tal capitão patarata lá ficou a “cheirar pólvora” sozinho…
Durante a tarde deste movimentado 11 de Março de 1975, ainda houve outros momentos de elevada tensão mesmo dentro da EPC em que Maia voltou a ser protagonista de realce, de uma forma inusitada mas, sempre, na busca da pacificação – conseguida ! – dos golpistas
Ainda bem, ainda bem, ainda bem !!!
E nós, 48 anos depois, podemos dizer com brio – “ nós estivemos lá também !”.
11 de Março de 2023
João Dinis, Jano
(Veterano do 25 de Abril – 1974 – e do 11 de Março – 75)