A coesão territorial de Portugal tem que se basear na utilização de todo o nosso território tirando partido das potencialidades existentes em todas as suas regiões, em especial nas do Interior que têm sofrido um processo muito injusto de desertificação.
A gestão da água das bacias hidrográficas é uma excelente forma de desenvolver o Interior, com grandes benefícios para o conjunto do País.
Desde meados do século XX foram feitos grandes investimentos na construção de barragens com albufeiras de fins múltiplos que integram a produção hidroelétrica e o abastecimento de água às populações, à agricultura e às restantes atividades económicas.
Um dos exemplos mais relevantes deste tipo de “utilizações multifacetadas de bacias hidrográficas” é o vale do Zêzere onde actualmente já se incluem três barragens: Cabril, Bouçã e Castelo do Bode. Sendo que é desta última albufeira que se assegura o abastecimento de água à Grande Lisboa.
Outro exemplo relevante é a irrigação do Alentejo que se iniciou durante o Estado Novo e que culminou com a construção da barragem do Alqueva, no Baixo Alentejo, e do seu sistema de distribuição de água.
Infelizmente nos últimos 25 anos os sucessivos Governos não fizeram um planeamento estratégico global das interligações aconselháveis entre diferentes bacias hidrográficas, de forma a otimizar a utilização de água em todo o território.
E esta ausência de planeamento é tanto mais prejudicial quanto nos últimos 20 anos se introduziram muitas potencias elétricas intermitentes, eólicas e fotovoltaicas, o que veio a exigir sistemas de barragens que possam atuar como “armazenagem indireta de eletricidade” através do sistema de bombagem/turbinagem.
É pois essencial equacionar projetos adicionais deste tipo situados em Zonas do Interior, mas da maior importância para o todo nacional dado que permitem simultaneamente aumentar a satisfação dos consumos de eletricidade e de água.
Vejamos três possíveis projetos estruturantes neste âmbito:
1. Os baixos caudais do Tejo nacional entre a barragem de Cedilho e a foz do Zêzere têm sido motivo de grande preocupação quando se verificam períodos de estiagem.
Uma das formas de aumentar a disponibilidade de água nesta região da Beira Baixa/Alto Ribatejo será o transvase a partir do Douro, nomeadamente retomando os trabalhos da barragem de Foz Côa.
2. O reforço da interligação entre a bacia do Mondego e a bacia do Zêzere, logo a jusante da Aguieira, poderá ajudar a regularização dos caudais do Baixo Mondego, evitando cheias destrutivas em períodos de grande pluviosidade e, simultaneamente, aumentando as afluências às barragens já existentes no Zêzere.
3. No Zêzere será de estudar a instalação nas barragens do Cabril e da Bouçã de escalões de bombagem, de forma a permitir “armazenar eletricidade “sem prejudicar as reservas estratégicas de água para a Grande Lisboa. Ou seja, Zêzere passaria a ser um instrumento adicional no controlo das intermitências das potências eólicas e fotovoltaicas sem pôr em causa o abastecimento de água a Lisboa.
O desenvolvimento de Portugal, e dos seus territórios do Interior, exige que os Fundos Europeus que nos são atribuídos, a começar pelo PRR – Plano de Recuperação e Resiliência, sejam utilizados em projetos estruturantes deste tipo. E que se inserem além disso nas prioridades nacionais e europeias de descarbonização e de adaptação às alterações climáticas.
E é isso que uma Democracia de Qualidade tem de promover. |
Clemente Pedro Nunes
Professor catedrático do Instituto Superior Técnico (*)
*Subscritor do Manifesto “Por uma Democracia de Qualidade”