… se tornou o país (des)governado por Santana Lopes, Sócrates emergiu para muitos portugueses como um novo Messias. O presente parecia então replicar o passado; a História confirmava a sua tendência para repetir certos comportamentos e reproduzir o mito sebastianista.
Ontem, a tempestade instigada pela bem-intencionada mas desastrada Primeira República (1910-26) moldou o Estado Novo (1933-74) do catedrático de Direito e depois ditador pragmático e “catolaico” Salazar (entretanto, convertido pelo capitalismo em produto lucrativo e agora até representado pela SIC como uma espécie de garanhão de mulheres fatais). O “providencial” “salazarismo” repôs a ordem política e terá equilibrado o orçamento, mas acabou por conduzir o país à opressão, à guerra colonial, à ignorância cultural e à miséria social.
Hoje, a sucessiva degradação política, ética e financeira do Estado democrático gerou um novo “salvador da Pátria”, o político profissional pragmático e hedonista (ou niilista?) Sócrates, que foi eleito, com maioria absoluta, para uma renovada missão redentora: reduzir o défice das contas públicas e devolver aos portugueses “o esplendor de Portugal”, fundar um regime liberal-socialista (a apregoada “terceira via” alternativa ao liberalismo clássico e ao socialismo marxista) encartado para transformar o caos em cosmos.
Mas depressa demasiados portugueses perceberam que, afinal, “a montanha havia parido um rato”. E não é difícil demonstrar a evidência de tal aforismo: a derrocada do híbrido, vago e enganador “socialismo neoliberal”, que só os mais obstinados ainda afiançam ser a única via para o paraíso na Terra; a evidente perda de direitos dos trabalhadores que contrasta com a indecorosa liberdade e impunidade de que os bancos e os seus gestores fruíram durante os últimos anos para fazerem as mais escabrosas operações financeiras; os compulsivos comportamentos autoritários de Sócrates, tão do agrado de uma certa direita neoliberal ou mesmo radical, a presunção de que sabe o que quer e para onde vai e de que nunca se engana; o ágil discurso de plástico repleto de redundâncias, banalidades e promessas não cumpridas; e as cambalhotas tacticistas, onde sobressaem agora, entre as cínicas orientações para evitar a confrontação com os sindicatos, as oportunistas propostas ditas “fracturantes” da eutanásia, do casamento de homossexuais e do Robin Hood fiscal, as quais visam apenas assediar descarada e desesperadamente o eleitorado de esquerda e as classes médias (que tão sacrificadas têm sido por este governo).
Enfim, para lá do espectáculo feérico forjado pela perpétua propaganda, entre as arrebatadas campanhas brancas e negras, por detrás das luzes da ribalta persiste um país agónico que teima em necessitar de reformas vitais, por exemplo, na Saúde, na Justiça e na Educação, sector onde a demagogia e a desinformação da ministra Maria de Lurdes Rodrigues atingiu requintes de malvadez, que vão, seguramente, contribuir para deseducar as gerações mais jovens e hipotecar o futuro. Um país eternamente adiado e submerso em escândalos públicos e privados nunca esclarecidos onde Sócrates também aparece como protagonista (vejam-se os casos da sua licenciatura, da sua presumível assinatura indevida de projectos de engenharia e arquitectura e do Freeport). Um país improdutivo, endividado e em recessão acelerada — que contraria os memoráveis discursos prospectivos negligentemente optimistas debitados há uns meses pelo actual governo —, onde todos os dias surgem notícias de novas falências de empresas e o desemprego e a criminalidade registam números e tendências incomportáveis.
Aproxima-se um novo ciclo eleitoral. Já não há paciência para aturar este presunçoso, prepotente e unanimista PS/Partido de Sócrates. E, apesar da dimensão mundial da crise, não creio que seja possível fazer uma gestão corrente tão falaciosa do país e prestar um mais lastimável serviço à democracia. A história dos actos eleitorais do após 25 de Abril já demonstrou que, nesta matéria, os portugueses não são facilmente manipulados — ainda que paire de novo sobre a sociedade um clima de medo e se perfilem alguns apparatchiks da nomenklatura deste PS disponíveis para malhar sobre todas e quaisquer oposições.
Decididamente, é preciso proclamar que “o rei vai nu” e que a História não absolverá o “socratismo”.
PS: Este texto foi escrito antes do XVI Congresso Nacional do PS, realizado em Espinho, entre os dias 27 de Fevereiro e 1 de Março.
Luís Filipe Torgal
Professor de História