As águas que escorrem da vertente norte da encosta da Serra da Estrela na zona de Seia foram, ao longo dos tempos, escavando o leito de um pequeno percurso de água que, aproveitando o declive entre os concelhos de Seia e de Oliveira do Hospital, se vão juntar às do seu irmão mais velho, o Mondego, um pouco abaixo da aldeia de Fiais da Beira.
Indo buscar o seu nome ao local onde nasce, o rio Seia, tal como tantos outros percursos de água de maior ou menor dimensão existentes na região da Serra da Estrela, revela-nos uma série de características, não só no que diz respeito à sua fauna e à sua flora, mas também ao edificado que, para quem não andar muito distraído, se deve orgulhar e, fundamentalmente, ajudar a preservar.
Relembro, com imensa emoção, o dia em que, com o meu companheiro Beto, amigo de grandes pescarias, começámos a descobrir as margens deste pequeno tesouro, e nos deparámos com a grandiosidade do agora famoso açude da Ribeira.
As matas de pinheiro bravo e carvalho (na altura existentes) pareciam fazer esquecer um solo bastante rochoso de onde brotavam majestosas esculturas naturais de granito, compostas por grandiosos blocos, que parecia poderem soltar-se a qualquer altura e rolar encosta a baixo, para irem espraiar-se no rio.
Embora lajeado de ambas as margens, nos depósitos sedimentares acumulados ao longo do tempo floresciam salgueiros e amieiros, e toda uma imensa vegetação rasteira que as tapetava.
As suas águas transparentes espelhavam uma enorme pintura de azuis celeste e de verdes infinitos, ponteada, aqui e além, com reflexos cristalinos, que nos transmitia uma imensa frescura e tranquilidade. Estava pintado o cenário ideal para o acontecimento que, um pouco mais à frente, nos iria ser apresentado.
O chilrear da passarada e o som de uma queda de água que, progressivamente, ia aumentando com a nosso caminhar, acabaram por ser a banda sonora natural para a descoberta, para mim, do açude da Ribeira.
Percebi, já homem, que a beleza e encantamento daquele local e de tantos outros existentes ao longo deste, para mim, precioso tesouro, não se devia apenas ao trabalho da natureza, mas também à capacidade que, na época da edificação, os nossos antepassados tiveram, na utilização do material existente em grande abundância, o granito.
Situada na margem norte do rio Seia, a cerca de 2 Km para jusante do açude da Ribeira, a recuperação levada a efeito por um casal de Belgas, da Quinta do Pisão, (outro local onde o bom gosto e respeito pelo edificado existente imperou), veio fazer com que o caminho até aí existente se tornasse num estradão de terra batida, que nos leva até esse espaço turístico.
O aumento de turistas e a facilidade de acesso a todo aquele vale, as redes sociais e a facilidade em mostrar a beleza natural do edificado ali existente, a moda dos miradouros e passadiços, vieram aguçar a vontade de o Município de Oliveira do Hospital resolver candidatar aos fundos europeus um projecto que penso que pretenderia valorizar o açude da Ribeira e toda a sua envolvente.
Sabendo há bastante tempo dessa vontade, e valendo o que vale a minha opinião, tive o cuidado de alertar (por puro acaso, no próprio local) o então presidente do Município para o cuidado que era necessário ter em edificar naquele local fosse o que fosse.
Não sabendo hoje, dia em que escrevo este texto, quem desenhou e projectou a estrutura que ali está a nascer, e fundamentalmente porque não se trata de pessoas, mas do projecto, venho, desta vez publicamente, mostrar o meu desagrado pelo atentado que ali está a ser cometido.
A volumetria do passadiço, o seu desenho sobre o edificado existente, os monstruosos pilares e seus apoios de betão, vão anular a beleza natural do local para nos mostrar algo artificial que, do meu ponto de vista, ficará ali a mais.
Tratando-se, como julgo, de um espaço público de interesse Municipal e, fundamentalmente, um espaço de rara beleza, penso que ainda estamos a tempo de salvar um dos ex-libris da região.
Seria do meu ponto de vista muito prudente e de elevado bom senso que o Município de Oliveira do Hospital parasse de imediato a obra que está a ser desenvolvida sobre o açude da Ribeira e pedisse um parecer, por exemplo, ao arquitecto Sisa Vieira ou ao arquitecto Souto Moura.
O açude da Ribeira agradece…, e eu também.
José Carlos Gonçalves Marques
Professor de Educação Visual e Artes