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COVID-19, as consequências do R0 > 1.0 Autor: Carlos Antunes

São vários os países que verificam, de forma prolongada, o número básico de reprodução, R0, acima de 1.0. Estar esporadicamente acima de 1.0 pode não ter graves consequências, mas permanecer acima da unidade conduz a um crescimento, normalmente, exponencial. O início de uma epidemia com níveis de contágio exponencial começa sempre com R0 > 1.0, mas devido a medidas de contenção e o comportamento natural de defesa e protecção individual (isolamento, distanciamento, protecção, higienização, etc.) tende a diminuir o valor de R0. Se se tratar de uma doença infecciosa sem gravidade ou para a qual se tem já imunidade de grupo, um R0 acima de 1.0 não implica danos e impactos negativos. Mas se se tratar de uma doença com alguma gravidade, ou para a qual não existe imunidade de grupo, é de todo o interesse que o R0 seja controlado, reduzido-o rapidamente para próximo de 1.0 e depois mantê-lo sempre abaixo desse limiar.

Como já tinha prometido, trago hoje alguns exemplos de países em que a permanência do respectivo R0 acima de 1.0 é demonstrativo da gravidade, tal como demonstram as respectivas consequências. É claro que há um conjunto de factores sociais, culturais e económicos que podem atenuar os impactos, quer por existir um Sistema de Saúde que responda satisfatoriamente às necessidades, quer por o comportamento social minimizar os níveis de contágio dos mais vulneráveis e dos grupos de risco.

Da lista de países que hoje mostro, destacam-se alguns países da América do Sul, Brasil, Chile, México e o Peru, mas também a Índia, a África do Sul e a Suécia. Mostro também o caso dos EUA, que apesar de não verificar sistemática e persistentemente o R0 acima de 1.0, não mostra sinais do seu controlo, prolongando por muito mais tempo a duração da epidemia.

O Brasil atingiu pela primeira vez o valor mínimo de R0 a 14 de Abril, na zona de 1.1. Nessa altura estava com uma média de 1800 novos casos e um total de 25 mil casos acumulados. Desde aí o R0 andou quase sempre acima desse valor, tendo voltado a verificar-se a 15 de Maio, e agora nos últimos dias, mas sempre sem ultrapassar 1.2. Com isto, e apesar de ser um valor baixo, o Brasil encontra-se agora com a média de cerca de 18 mil casos diários e um total acumulado de 450 mil casos e mais de 27 mil mortes.

O Chile atingiu o valor mais próximo de 1.0 a 15 de Abril, onde permaneceu até dia 25 desse mês. Nessa altura o Chile contava com uma média de 400 novos casos e um total acumulado de pouco mais de 8 mil casos. A partir de 25 de Abril deixou deslizar o R0 para a região de 1.2 e só nesta última semana começou novamente a aproximar-se de 1.0. Com isto, o Chile conta com uma média de 4300 novos casos e mais de 90 mil casos. Tendo ultrapassado a China há cerca de 3 dias, ocupando o 13º lugar.

O Peru viu o R0 aproximar-se de 1.0 a 26 de Março, quando contava 70 casos diários e um acumulado de 580 casos. A partir daí perdeu o controlo do contágio e só a 19 de Abril volta a alcançar novamente o valor de 1.0, mas já com mais de mil casos diários e um acumulado superior a 15 mil casos. Voltou a subir, voltou a diminuir, mas sempre acima de 1.0. Hoje já ultrapassou os 5 mil novos casos e conta com mais de 141 mil casos.

O México alcançou o R0 com 1.1 a 17 de Abril com cerca de 500 novos casos e mais de 6 mil casos acumulados. De igual modo manteve sempre o R0 acima, embora muito próximo, de 1.0. Conta agora com mais de 3 mil novos casos e mais de 81 mil, casos acumulados.

A Índia alcançou o R0 em 1.1 a 10 de Abril, com cerca de 800 novos casos e mais de 8 mil casos acumulados. Andou com ele sempre entre 1.0 e 1.2, e agora conta com 7 mil novos casos e mais de 173 mil casos acumulados.

A África do Sul teve uma primeira onda epidémica com pico a 26 de Março, quando o R0 atingiu o seu valor mais baixo de 0.75. Na altura tinha cerca de 140 novos casos e pouco mais de mil casos acumulados. A partir de 4 de Abril entrou em descontrolo, voltando à região de 1.2 a 16 de Abril. Actualmente está com cerca de 1500 novos casos e quase 30 mil casos acumulados.

A Suécia alcançou o R0 em 1.0 a 19 de Março, tal como os seus vizinhos, a Dinamarca e a Noruega. E tal como eles, nessa altura tinha cerca de 120 novos casos e quase 1500 casos acumulados. Mas ao contrário dos vizinhos, manteve quase sempre (apenas por um curto período no início de Abril) o R0 acima de 1.0. Hoje conta com uma média entre 500 e 600 novos casos e com um acumulado de mais de 36 mil casos e 4350 mortes, 8 a 15X mais que os vizinhos.

Os EUA conseguiram trazer o R0 para 1.01 a 10 de Abril, dois dias depois de atingirem o pico da epidemia, tendo atingido nessa altura mais de 30 mil novos casos. Mas desde aí, com meio milhão de casos, o R0 manteve-se sempre na região de 1.0. É certo que a incidência tem vindo a diminuir, mas de forma muito ligeira. Ainda não baixaram da barreira dos 20 mil novos casos e já contam com mais 1.7 milhões de casos cumulados e mais de 104 mil mortes.

Todos os casos cujo R0 nunca passou abaixo de 1.0 ainda não verificaram o pico da epidemia.

Qualquer um destes exemplos vai ter um fim penoso, com grande dificuldade em baixar e controlar o R0, para valores que permitam acabar ou diminuir significativamente o contágio da Covid-19. São exemplos que não devem ser copiados, que não devem ser seguidos. Uma coisa é ter vacina ou ter já imunidade de grupo, outra é não saber quando se vai ter cura, quando se vai ter uma vacina que permita imunizar todos as pessoas dos grupos de risco em todo mundo.

Isto mostra também, como mesmo tendo o R0 controlado abaixo de 1.0, se pode, caso haja demasiado alívio ou incumprimento nas medidas principais de distanciamento social, protecção, etiqueta respiratória e higienização, ter um novo aumento de contágio e uma nova vaga epidémica.

Autor: Carlos Antunes

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