O Jorge Tiago deixou o aconchego do ventre materno mas, ao nascer e ao contrário do que é habitual, não “disse” ao mundo:
-Cheguei!
O normal seria, a plenos pulmões, o choro, como quem demonstra, pelo acto, a “chatice” de ter nascido para a vida que passaria a ser sua, entre alegrias e tristezas, derrotas e conquistas… O Tiago diz que o problema que trouxe consigo esteve relacionado com o cordão umbilical, que lhe afectou o lado direito do corpo. O cérebro, felizmente, não sofreu qualquer sequela.
Até entrar para a pré – primária sujeitaram-no a múltiplos exames – “…recordo-me desse tempo e de como ficava triste na escola por não poder brincar com os outros meninos, mas tinha de aceitar…” – confessa; aos poucos, algum progresso foi acontecendo.
A fala e a locomoção vieram tarde, e a confiança em si mesmo, também…
A estória do Tiago não se quer triste em letra de forma – é o próprio a dizer de si que não se considera “deficiente”, embora seja esse o termo vulgarizado para falar de alguém como ele, que “apenas tem um problema” que o torna diferente da maioria dos outros cidadãos.
-“ Qualquer pessoa na minha situação é afectado psicologicamente quando se apercebe que não é como as outras, e eu não fujo à regra. Quando era miúdo não percebia porque era diferente, mas, aos poucos, com a ajuda dos meus pais e depois de muitas sessões de fisioterapia e equoterapia (tratamento que utiliza o cavalo para a fisioterapia de pessoas com problemas neuromusculares graves, como paraplegia e tetraplegia) passei a enfrentar a minha situação com naturalidade, mas às vezes tinha as minhas crises e sofria sozinho”.
O futuro "foi ontem"
As diferenças físicas, embora notórias, nunca foram pretexto para deixar de lado a escola. Trabalhador estudante, está prestes a terminar o 12º ano, especializou-se em Informática (operador de sistemas), e está sob contrato na Câmara Municipal, onde espera continuar. Depois, irá decidir por um dos cursos da ESTGOH: Informática ou Administração e Marketing…
Os tempos de bem-estar emocional acontecem em função de pormenores que fazem toda a diferença. Na Câmara Municipal, a decisão superior de o colocar no atendimento ao público “revolucionou” a sua maneira de estar e melhorou os seus relacionamentos.
-“ Fui para a Câmara em 2002 e fiz um estágio profissional em Informática, depois mudei – estar no atendimento público é formidável, deixa-me completamente à vontade, e se tinha alguma timidez, deixei de a ter. Agradeço aos meus colegas o apoio fantástico e às chefias que nunca deixaram de confiar no meu trabalho. Quero muito continuar com todo o empenho, como sempre fiz”.
Outro aspecto a ter em conta, no momento, prende-se com a sua actividade desportiva: como elemento da secção da equipa de Futsal do Clube de Oliveira do Hospital, sente-se útil à comunidade desportiva, e é pena que o clube de todas as suas paixões, o Benfica, não o presenteie com resultados satisfatórios porque, diz “… já não sofro, continuo benfiquista, mas deixei ser doente, tenho coisas mais importantes com que me ocupar”.
Para que tudo seja justo e (quase) perfeito no dia a dia do Tiago, conduzir o seu carro permite liberdade de movimentos, longos passeios e, principalmente, conhecer outras pessoas fora do circuito dos amigos.
– “ Vou até Viseu, Coimbra, desloco-me para a escola, dou as minhas voltas por aí, claro, sem nenhum problema. Tirar a carta foi outra vitória que me deu imensa satisfação”.
Apesar dos tempos correrem de feição, o Tiago tem os seus momentos menos simpáticos, como sucede com qualquer outro cidadão. Então, escreve sobre si e passa para o papel algumas das suas emoções, sempre com música por companhia. E para que os seus desabafos tenham eco, reservou um espaço na blogosfera, que pode ser visto em http://serounaosersoueu.blogspot.com/.
-“E namorada, Tiago”?
– “Já tive, mas como começou, também acabou. Por enquanto não penso nisso…
…Talvez, mas o amor – todo o tipo de amor! – é presença permanente em cada minuto da sua vida, como este saboroso excerto de um dos seus poemas deixa transparecer: “
… Estes versos foram escritos / numa noite de luar / quem me dera amor / esses teus lábios beijar…”.
Carlos Alberto