Joana Feiteira nasceu em Oliveira do Hospital e hoje é uma das responsáveis de uma das maiores empresas de transportes de Sidney. Formada em Estudos Europeus, com um mestrado em Lazer, Património e Desenvolvimento pela Universidade de Coimbra e, em 2015, partiu com o namorado para a Austrália. Inicialmente trabalhou num restaurante português e só um ano depois conseguiu espaço na sua área de formação académica. Foi um momento decisivo para o êxito profissional num país “em que a meritocracia” é lei. Com 35 anos, Joana faz parte da equipa executiva da empresa que opera os famosos ferries de Sidney, a Transdev Sydney Ferrie, onde é responsável por toda a parte de comunicação. O mérito tem sido reconhecido e no mês passado foi premiada com uma bolsa de estudos em liderança pela Transport Women Austrália. Mas não consegue esquecer Oliveira do Hospital onde regressa todos os anos. “O facto de morar literalmente do outro lado do mundo trouxe-me várias aprendizagens de vida… confesso que, por vezes, sinto falta de ouvir falar a nossa língua nas ruas, ou de sentar-me numa esplanada a comer uma bola de Berlim, ou de ver o por do sol do Monte do Colcurinho”, explica em entrevista ao Correio da Beira Serra. Joana Feiteira fala também das potencialidades da região da Serra da Estrela. “Quando escrevi a minha tese de mestrado, acreditava ser possível um maior aproveitamento da área turística na região, continuo a achar que esta é sem dúvida um sector a ser mais explorado e que pode desenvolver e beneficiar a nossa terra”, conta. “No entanto, não vi progresso, nem futuro de carreira, o que me levou a mudar de cidade. Claro que, desde então, várias coisas mudaram, mas penso que esse ainda seja o problema para muitos dos jovens do interior do país”, frisa.
CBS- Como surgiu a ideia de ir para a Austrália?
Joana Feiteira – Sempre gostei de viajar e de aventuras. Trabalhava numa multinacional e já há algum tempo que pesquisava sobre oportunidades de emprego de curta duração com essa empresa em Londres. Quando no fim de 2014 comecei a namorar com um francês e ele teve uma proposta de trabalho na Austrália, achei que era o momento de arriscar e tomei a decisão de também ir. Depois de muita pesquisa, descobri um visto que me permitia trabalhar legalmente e viajar na Austrália, o Work and Holiday visa. Era o segundo ano que estava disponível para portugueses, pelo que ainda não havia muita informação. Preparei-me o melhor que pude, candidatei-me ao visto e a 28 de junho de 2015 aterrava pela primeira vez em Sidney.
Como é viver a, pelo menos, 27 horas de voo do seu país?
É um desafio constante. A Austrália é um país fantástico, com inúmeras oportunidades e uma qualidade de vida invejável. No entanto, o facto de ser tão longe faz com que não posso estar com a família e amigos com a frequência que gostaria. Tens de estar preparado para perder aniversários, celebrações com amigos, natal com a família, lidar com as saudades ou com a perda de entes queridos.
Além da família e amigos, do que é que sente mais saudades?
O facto de morar literalmente do outro lado do mundo trouxe-me várias aprendizagens de vida, sendo uma delas o facto de que, com saúde, tudo o resto vem por acréscimo. Tendo saúde, a verdadeira saudade é das pessoas e dos momentos que passamos com elas, de resto não existe nada que não possa viver. Mas confesso que, por vezes, sinto falta de ouvir falar a nossa língua nas ruas, ou de sentar-me numa esplanada a comer uma bola de Berlim, ou de ver o pôr do sol do Monte do Colcurinho.
A Austrália ofereceu-lhe oportunidades que não teria em Portugal?
São países diferentes, por isso considero que as oportunidades que têm a oferecer são também distintas. A nível profissional, existem mais oportunidades (no fim de 2022, a taxa de desemprego estava nos 3.5 por cento) e o crescimento é com base no desempenho e competências, sem termos de ter mais de 20 anos de experiência ou atingir uma certa idade. Por exemplo, no meu caso, com 35 anos faço parte da equipa executiva da empresa que opera os ferries de Sidney apesar de ter uma diferença de dez anos para a pessoa a seguir a mim. Claro que é necessário ter experiência para estar nesta posição, mas as decisões são com base no mérito e não na idade.
A nível pessoal, a Austrália e principalmente Sidney, é muito multicultural o que nos faz conviver com pessoas dos quatro cantos do mundo e que torna esta experiência muito enriquecedora.
O que é que a levou a escolher estudos Europeus na universidade?
Como qualquer outro adolescente, eu queria mudar o mundo. Era o segundo ou terceiro ano de estudos europeus na Universidade de Coimbra. Decidi ingressar no curso de Estudos Europeus, e ainda bem que fiz, gostei imenso, acrescentou muito valor e fez-me abrir os olhos para o mundo, não só em nível europeu. Depois disso, eu sempre gostei muito da parte de eventos e turismo, e eu queria fazer algo pela minha cidade. Então acabei por depois fazer um mestrado em Lazer, Património e Desenvolvimento, que mais não é do que um mestrado em Turismo. E acabei por fazer minha tese de mestrado sobre o desenvolvimento de turismo no meu concelho, Oliveira do Hospital.
Como foi o ingresso no mercado de trabalho australiano?
Quando vim para a Austrália com o Work and Holiday eu não tinha trabalho. Demorei três dias para me recuperar do jet leg, e ao quarto dia comecei a trabalhar num restaurante português aqui em Sidney. Mas obviamente meu objectivo era voltar a trabalhar na minha área. Tive que me esforçar muito ainda mais para alguém que não é nativo da língua inglesa. Tinha imenso medo porque achava que jamais conseguiria trabalhar na minha área, porque obviamente o inglês não é minha primeira língua. Achava que seria impossível, mas pronto, não existem impossíveis nesta vida. Hoje em dia trabalho para a Transdev Sydney Ferrie e sou o contacto directo para toda a parte de comunicação, com os principais jornais e canais de televisão. Faço também campanhas de marketing, website, comunicação interna. Temos quase 700 empregados, intranet, templates, apresentações, entrevistas. Tudo é de minha responsabilidade. E faço parte da equipa executiva de tudo que é decisão sobre os ferries de Sidney. Obviamente não podemos decidir tudo, o governo é o nosso cliente, são eles que mandam, mas estou envolvida em todas as decisões. Muitas pessoas dizem que é sorte. Costumo dizer que a sorte dá muito trabalho. É muito gratificante quando nos esforçamos e somos compensados.
Mas posteriormente conseguiu um lugar na sua área de formação?
Quando cheguei aqui, em minha mente, achava que não iria conseguir trabalhar em comunicação por causa da língua. Este foi meu maior desafio. Passado quase um ano, foi quando eu tive meu trabalho em Marketing e Comunicação. Fica já a dica. Não tenham medo de levar um não. Não tenham medo de concorrer a um trabalho, mesmo que não acham que não vão seguir. Tentem. Nada pior do que sofrer por algo que não conseguem ter, pura e simplesmente por não ter coragem de tentar. Isso foi o que aconteceu comigo. E na primeira vez que tentei na minha área de trabalho, consegui. Não me arrependo nada daquele ano. Fiz outras coisas. Foi um período de grande aprendizagem. Aprendi imensas coisas, geri uma equipa de 20 e não sei quantas pessoas. Foi óptimo, deu muita bagagem.
Há muitos jovens a emigrar e a terem sucesso como é o seu caso ou o de um seu conterrâneo que trabalha numa das mais conceituadas universidades dos Estados Unidos. O talento dos jovens não é bem aproveitado em Portugal?
Não gosto de generalizar. Conheço muitos jovens talentosos que nunca saíram de Portugal e que são reconhecidos nos seus cargos, da mesma forma que conheço pessoas que tiveram de sair do país porque não tiveram outra escolha. No entanto, penso que Portugal ainda tem um longo caminho a percorrer no que diz respeito a reconhecimento no local de trabalho e ao equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Sei que nos últimos sete anos temos evoluído nesse sentido, mas podemos sempre melhorar.
Como vê Oliveira do Hospital a partir de Sidney? O que falta a esta região do interior para recuperar economicamente e demograficamente?
Saí de casa aos 18 anos para estudar na Universidade de Coimbra, voltei a Oliveira temporariamente para realizar o meu estágio profissional e finalizar a tese de mestrado que teve como tópico “Contributos para as Estratégias de Desenvolvimento Turístico em OHP”. Para mim, a qualidade de vida era bastante boa, sem trânsito, com ar puro, onde ainda há quem deixe as chaves na porta de casa, fazer parte de uma comunidade e, embora nem todas sejam as ideais, com oferta variada de infraestruturas. No entanto, não vi progresso, nem futuro de carreira, o que me levou a mudar de cidade. Claro que, desde então, várias coisas mudaram, mas penso que esse ainda seja o problema para muitos dos jovens do interior do país — a falta de oportunidades para evoluir nas suas carreiras e um salário que lhes permita ter um maior poder de compra para aproveitar as razões que referi.
Até pela sua formação académica, quais as potencialidades que destaca da região da Serra da Estrela?
Tenho imenso orgulho das minhas raízes e em dizer que sou de Oliveira do Hospital. Mostro sempre fotografias do meu concelho e falo-lhes do queijo Serra da Estrela (que amo), das paisagens panorâmicas para as serras e da nossa gastronomia. Tudo isto, associado ao vasto património, bem como à autenticidade e hospitalidade das suas gentes, faz com que seja um perfeito getaway com uma mistura entre rural e cidade. Da mesma forma que há 13 anos, quando escrevi a minha tese de mestrado, acreditava ser possível um maior aproveitamento da área turística na região, continuo a achar que esta é sem dúvida um sector a ser mais explorado e que pode desenvolver e beneficiar a nossa terra.
Pondera trocar de país. O facto de ficar mais próximo de Portugal pesa nessa decisão?
Nunca pensei que ficaria tanto tempo na Austrália, mas conforme fui alcançando objectivos, planeei outras, o que me fez ficar ano após ano. Quando me tornei cidadã australiana em maio de 2021, decidi que era hora de explorar outro lugar. Recebi uma oferta de emprego na Nova Zelândia, mas, devido às restrições de viagem por causa do Covid-19, recusei. E ainda bem que assim foi porque é o único país que fica ainda mais longe de Portugal… Depois surgiu a ideia do Dubai, e confesso que ainda estou de olho nessa possibilidade, assim como Londres, mas fui promovida e adiei essa meta. Acho importante ter planos e objetivos definidos, mas também devemos estar abertos a alterá-los se assim se justificar. Continuo com vontade de estar mais perto de Portugal e acredito que isso aconteça em breve.
Quando pretende voltar a Portugal e a Oliveira do Hospital?
Sei que quero voltar a viver em Portugal, mas sinceramente não sei se escolheria Oliveira do Hospital, principalmente devido aos motivos que referi em termos de carreira. Todos os anos volto a Oliveira e é um local onde voltarei sempre. A minha família e muitos amigos moram lá, e também porque é minha terra e não há nada como estarmos em casa.