Quando, há cerca de um ano, José Manuel Ribeiro resolveu trocar Coimbra por Oliveira do Hospital, para “viver com uma rapariga”, nunca lhe passou pela cabeça que acabaria a dormir ao relento. Mas aconteceu. A relação correu mal. Teve de sair de casa. Sem trabalho, com uma doença crónica (diabetes tipo B) e com uma mensalidade de 178 euros do Rendimento de Social de Inserção, não lhe restou outra alternativa que não fosse dormir “onde melhor” se pudesse “abrigar do frio e do vento”. E é assim a vida deste homem de 55 anos, desde Novembro.
“Quando acordo, começo logo a chorar porque não sei o que o dia me vai reservar”, conta quase com as lágrimas nos olhos. Não esconde que sente vergonha da actual situação. Talvez por isso diga que não adormece em lado nenhum sem primeiro as ruas se encontrarem desertas. “Procuro que as pessoas não me vejam. Qualquer um que tenha o mínimo de orgulho sente vergonha por ter chegado a este estado. A culpa também foi minha”, lamenta, explicando que tem de pedir esmola para juntar ao pouco que recebe de apoios. “É muito difícil para quem sempre trabalhou desde os 14 anos de idade chegar a este ponto”.
Para trás, José Ribeiro deixou 16 anos de trabalho como motorista e vários anos como empregado em fazendas agrícolas, uma delas em Coimbra, aquela que deixou para vir morar para Oliveira do Hospital. Nestes meses que leva a viver na rua, ainda tentou encontrar emprego em Beja e em Arruda dos Vinhos, mas em ambos os casos a experiência não resultou. “Não me pagavam e, ao fim de três meses, vim embora”, conta.
A Câmara Municipal de Oliveira do Hospital já se disponibilizou para o ajudar. Mas não da forma que José Ribeiro gostaria. “Ajudava-me com 150 euros para pagar o primeiro mês de renda de um quarto em troca de trabalho comunitário. Mas quem é que me aluga um quarto?”, interroga-se. “Ninguém”, responde de imediato. “O que queria era que me arranjassem um espaço onde ficar que pagaria com trabalho. Depois com outro aspecto seria mais fácil encontrar trabalho. Só para ter uma ideia já não sei há quanto tempo não tomo banho”, sublinha, adiantando que numa quinta sabe fazer de tudo. “Com este aspecto, porém, é muito difícil que alguém me aceite”, enfatiza, explicando que não quer ajudas monetárias, mas sim um local onde ficar e trabalho.
O tempo que a dormir na rua começa a deixar marcas. Uma ferida num dos pés, como resultado da diabetes, que não consegue curar, tem sido mais um dos seus últimos tormentos. “Nunca me descalço, os pés estão sempre húmidos, é muito difícil superar este problema”, conta, adiantando que toma diariamente medicação para aquela doença. “Tenho ainda seis hérnias discais, mas para isso já não tomo nada. Dói sempre, quer tome quer não. É muito difícil nestes dias frios e com chuva”, diz, enquanto as lágrimas lhe vão correndo e, ao mesmo tempo, vai pedindo desculpa. “Não vejo mais ninguém a dormir na rua nesta cidade, sou o único”, lamenta-se, lembrando que os Bombeiros Voluntários de Oliveira do Hospital lhe deram guarida durante seis ou sete dias. Só que também não podia permanecer ali muito mais tempo. “Disseram-me que poderiam aparecer outros que quisessem o mesmo. E têm razão”.
Como ajuda conta ainda com uma refeição diária que lhe é fornecida pela Fundação Aurélio Amaro Diniz. “Todos os dias por volta do meio-dia. É comida que guardo para a noite porque gosto de ter o estômago aconchegado para tentar dormir”, explica, fazendo notar que, apesar de sentir vergonha, nunca foi maltratado por ninguém em Oliveira do Hospital. “As pessoas respeitam-me, eu é que sinto muita vergonha”, diz. Já recebeu da parte da Segurança Social propostas para ir para Coimbra para um centro de acolhimento. Recusou. “Não quero enveredar por maus caminhos, fazer aquilo que não gosto, como vender droga”, conta, adiantando que não bebe e tem como únicos vícios: um café de vez em quando e uns cigarros quando tem disponibilidade para os comprar. “O que pretendo é que me ajudem a encontrar um local onde possa ficar que depois encontro trabalho, porque isso é coisa de que não tenho medo”, frisa mais uma vez, antes de partir em busca dos ‘taparueres’ da comida que se encontram na Fundação Aurélio Amaro Diniz.