Mais do que com um sonho, o Deputado debate-se com um pesadelo. Está a ser desassossegado pelo «fantasma» político de um «seu» Ministro de apoio que acaba de pedir a demissão ao Primeiro-Ministro que logo a aceitou.
– «Caraças, meu amigo e ministro! Não tava nada à espera disto! Então o meu amigo ministro das Infra-estruras, das redes viárias, resolve demitir-se sem me pedir opinião prévia? Deixe-me dizer-lhe que devia tê-lo feito! Devia ao menos ter-me telefonado a pedir-me conselho antes de se precipitar».
Responde-lhe «onsonho» o ex-ministro das infraestruturas e também da habitação, de uma forma muito nítida e carregada de lógica no seu contexto, como se fosse «ao vivo»:
– «Sabe meu caro deputado e amigo, este nosso Primeiro, e solicito-lhe reserva sobre o que vou dizer, este nosso Primeiro está a ficar cansado e sem mão em vários assuntos da governação. Eu tive que dar o corpo às balas, por exemplo nos problemas com o Aeroporto e com a TAP para lhe dar cobertura política, o que também arrasta cobertura partidária, mas tem custos pessoais para mim que fico mais exposto, tá a ver?».
– «Olhe ministro, e eu vou continuar a tratá-lo assim, volto a dizer que até intercedi por si quando o Primeiro ameaçou demiti-lo há uns tempos… Afinal tivemos tanta cumplicidade, tantas ´juras´ de apoio, principalmente sobre a obra da continuação do IC 6 e agora deixa-me abandonado nessa batalha. Não pode ser! Volte atrás com o seu pedido de demissão!» – tenta impor o deputado que empola o tom de voz.
– «Não dá, não dá, que fiquei sem ter para onde recuar agora e para já, compreenda-me».
– «Ó que caraças de coisa! Eu agora é que fico sem ter para onde avançar com os meus compromissos, com as minhas promessas, veja lá, no caso do IC 6 sobretudo!» – contrapõe o deputado.
– «Lá está, se eu tenho saltado do governo uns mesitos atrás, eu tinha-me resguardado melhor que agora surgi enrolado, aliás sem saber, na ganância dos 500 mil euros da TAP apanhados pela senhora ex-Secretária de Estado do Tesouro» – pareceu lamentar-se o ex-ministro.
– «Deixe-me que lhe diga, ministro, que essa coisa de não saberem disto ou daquilo, essa manobra já não convence e antes pelo contrário. Eu cá vou abandonar essa tática. O povo já se aborrece com essa tendência dos principais responsáveis gostarem de fazer a figura ´do outro´, daquele que é o último a saber… Fica mal!» – sentencia.
– «Pois então fique a saber, deputado – entrou em tom mais abespinhado o ex-ministro – fique a saber que eu não sou nada desses! Eu sou íntegro e frontal! Não ando é a espiolhar a vida de cada um ou de cada uma! Percebe?» – conclui esta proclamação.
– «Não se irrite amigo. Mas não pode mesmo voltar atrás com o pedido de demissão?» – insistiu o deputado feito ingénuo.
– «Já lhe disse que não. Este processo está consumado. E depois eu fico mais livre para ser eu próprio, para ir à procura de meu futuro partidário e político que ainda sou novo e, entretanto, vou refrescar» – profetizou o ex-ministro.
– «Caraças! Tou agora a ver melhor o «filme»! – confessou o deputado – O meu amigo ministro vai agora bater-se por chegar a chefe do PS e para poder vir a ser Primeiro Ministro. Quiçá a abrir portas para a Presidência da República…. Hum, tou a topá-lo melhor agora, sim senhor!».
– «Não confirmo nem desminto que o futuro a Deus pertence, embora eu cá nem acredite muito nisso, tá a ver?» – ironizou o ex-ministro já amaciado no seu pudor.
– «Bem, o senhor pode contar com o meu apoio nessa batalha pela chefia do PS – continuou o deputado – que eu sou um ganhador embora já ande há anos a perder as batalhas e a engrolar promessas por cumprir sobre o IC 6. Mas deixe-me dizer-lhe que pode contar comigo! E eu depois poderei contar consigo a sério e, finalmente, contar com a continuação do IC 6 nem que seja só por 20 quilómetros mais» – fechou esta «contabilidade» o deputado.
– «OK. Fiquemo-nos então por esse entendimento» – concluiu o ex-ministro.
– «OK amigo ministro. Então apresse-se! Mas deixe-me dizer-lhe ainda que se o IC 6 não avançar até ao final do meu mandato como deputado, não voltarei a candidatar-me. Pode acreditar que eu sou um homem de palavra!» – pensou fechar assim a conversa, o deputado.
– «Peço desculpa, deputado. Continue a contar essas histórias por aí aos seus crédulos eleitores, mas deixe-me fora disso. Sabe, agora vou refrescar como já lhe disse» – e aqui sim, acabou o sonho do deputado que acordou com a boca seca e com uma sensação desagradável no íntimo. Porquê? – poderemos nós perguntar e também responder…
Autor: Carlos Martelo